Personagens, nós mesmos, os outros. Apenas refletindo sobre o que influencia na forma como vemos alguém.
Escrever o texto sobre “Como mudar o mundo através da Arte” também me fez refletir sobre como enxergamos as pessoas. Como é formada a imagem de alguém? Acho que é algo complexo. Mas, inicialmente, a parte visual. Depois a primeira impressão, que é medida basicamente em atos. Por exemplo, imagina que você vê uma pessoa que você nunca viu batendo em alguém, ou tirando meleca, ou beijando alguém loucamente no corredor do shopping. Você julga conforme a pessoa age. Ela é violenta, porca, pegadora/desinibida. Se você se permitir conhecer a pessoa, outras coisas vão entrar em jogo. A primeira delas é a constância dos atos – quanto mais você vê ela agir de determinadas maneiras, mais você agrega isso a ela. Então se você nunca mais ver ela batendo em alguém, você vai perder a ideia de que ela é violenta. A segunda é o “contexto pessoal” dela – que é basicamente toda a história por trás e significado do que ela faz. Por exemplo, você no dia seguinte descobre que é a primeira vez que ela bate em alguém e tava tendo um surto por causa de algo muito grave – você não vai ver mais a pessoa como violenta, vai até simpatizar e justificar o que ela fez. E conforme mais você sabe sobre a vida da pessoa e como ela enxerga as coisas, mais os atos em si vão ser relativizados.
Isso me interessa da perspectiva de criação de personagem – o que faz a gente vê-los da forma que nós vemos. The 100 pra mim é um parque de diversões nisso. A Raven, por exemplo, eu brinco que ela é a personagem que todo mundo agora. E é. Não sei exatamente o que tem nela que causa uma afeição quase instantânea (a carinha fofa da atriz? o jeito descompromissado meio de criança? o que???) e quanto mais a história anda, mais essa afeição aumenta. Ela se torna o ponto fraco de quem assiste – não é à toa que nas situações principais acaba que é ela quem se ferra, acho que machucar a Raven é a forma mais fácil de fazer a gente sentir o drama da situação porque ninguém quer que ela se machuque. Só que se você estudar a personagem ela não é o bebê que precisa ser protegido a qualquer custo. Ela é foda. Ela é, inclusive, muito independente do tipo não-preciso-da-sua ajuda e ela definitivamente não precisa da proteção dos outros. Ela tem problema pra se relacionar com os outros. Ela é desinteressada pelas pessoas a ponto de torturar com choque elétrico um homem desconhecido, explodir pontes sem a menor cerimônia, criar balas para matar os inimigos. Ela usa os homens sexualmente. Ela é egoísta. Vários outros personagens também fazem coisas assim, só que eles nós vemos como OH PESSOAS HORRÍVEIS e ela não.
Então não julgamos puramente o que uma pessoa faz, mas o que ela faz dentro de um contexto. Só que esse contexto muitas vezes é imparcial.
No final da segunda temporada de The 100 os personagens mais legais fizeram coisas horríveis. Horríveis nível genocídio. E ainda assim eles parecem mais heróis do que o cara que foi um babaca na primeira temporada, mas só matou mesmo 2 pessoas na história toda.
O nosso julgamento sobre as outras pessoas é muito muito muito imparcial.
E, além de me interessar como criação de personagem, me interessa a nível pessoal. Tipo, o que isso significa sobre a gente? Veja bem, ninguém além de nós mesmos vê as coisas com o nosso contexto mental. Às vezes podemos estar agindo com um babaca completo, mas no nosso autojulgamento isso passa por tantos filtros de relativização que não enxergamos assim. O contrário também é a verdade – nos esforçamos o tempo inteiro para fazer algo legal e ainda parece que estamos fazendo merda. Como calibrar a sua autoimagem com a forma que as pessoas te veem? Em outras palavras: como ser a pessoa que você pensa que é?
E fica o lembrete que isso também serve para o modo como nós vemos os outros.