“Eu uso a escrita e o CC como um meio de aprender e, minha nossa senhora, eu não via nem a ponta do iceberg.”
Eu aprendi muito de 1 ano pra cá, só que eu vejo que as pessoas não passaram pelo mesmo processo. Pelo contrário, parece até que eu fui parar em outro mundo. Soa absurdo quando alguém surge com alguma dúvida tipo “pera, bissexualidade existe?”. Mas não é. E não era pra mim.
Por isso esse checkpoint: pra lembrar como eu era e pra compartilhar um pouco do que eu aprendi nesse tempo.
“Acho que a maior lição do mês LGBT+ é que sexualidade é algo que todo mundo deveria aprender.”
COISAS QUE MUDARAM
- A minha visão sobre sexualidade
Eu via sexualidade como um assunto “LGBT+”, mas descobri uma coisa: todo mundo tem sexualidade! HAUHAUHA Parece idiota, mas não é. Nós crescemos nem pensando nisso, apenas é algo que “acontece” porque “acontece com todo mundo” e que “você vai fazer também”. Mas: não.
Sexualidade = Outra daquelas palavras que não tem uma definição exata, mas aqui eu uso como a relação que a pessoa tem com atração sexual e comportamento sexual.
Aprender sobre esses assuntos me deu mais uma visão múltipla. Todo mundo tem sexualidade. Cada um se relaciona com a própria sexualidade de uma maneira única. A sexualidade funciona de muitas maneiras. A sexualidade pode ser fluida – o que significa que ao longo da vida pode mudar como funciona.
Dois comentários:
1.1 Você não controla a sua atração sexual (=orientação sexual). Olha pra uma coisa muito ridícula agora, tipo uma folha de papel, e tenta se sentir atraído. Não é assim que acontece.
2.2 Você ter uma relação sexual com alguém (e vamos considerar aqui até beijo) não é uma questão apenas de atração sexual. Tipo, tem sentimentos românticos envolvidos, ou uma sociedade opressiva que faz você pensar que precisa fazer sexo mesmo quando não gosta ou “testar” pra ver se não gosta mesmo. Para pensar: por tudo o que foi mostrado da Viúva Negra nos filmes da Marvel até agora, ela muito bem poderia ser assexual. Ou melhor: tirando o Tony Stark, todos poderiam. Não, pera, até o Tony Stark poderia. (podemos discutir isso nos comentários ou twitter)
- A forma como eu vejo diferentes orientações sexuais
Quando eu comecei minha mentalidade era “homo” e “no homo”, tanto que meu texto de estreia é sobre WTF É ESSE BANDO DE LETRA EM LGBTQIAP? COMO EU VOU GUARDAR TODAS ESSAS LETRAS? A resposta que eu encontrei: quando aprendemos a reconhecer a existência, lembramos naturalmente.
Pensa só: quantos nomes de países você sabe? E você sabe todos eles, detalhes culturais, etc. Cada letra dessa é quase um país com a própria cultura. Depois que você sabe que existe, vê filmes sobre, vê coisas relevantes sobre, você começa a entender.
Mas o que eu queria dizer é que aos poucos a percepção de um outro detalhe que eu não tinha consciência foi ganhando corpo: cada experiência dessa é única. Cada “letra” enfrenta algo diferente e, se pensarmos bem, cada pessoa acaba tendo uma experiência própria (por isso não é só porque o seu amigo homossexual disse que “tá tudo bem ser chamado de viado” que você pode falar isso pra todo mundo). Não era algo que eu realmente reparava.
Tipo, eu falo muito sobre representatividade, e é tipo “yeaah! Representatividade LGBT+!” enquanto na verdade a representação não é nem da metade. Por isso não dá pra dizer que “yeah, um gay na novela!”, porque o resto é muito muito muito esquecido. É igual aquele único personagem negro que eles colocam pra mostrar diversidade. Tem noção de que racismo não existe só com pessoa negra, que cada um tem a própria particularidade e até dentro do que é chamado de “negro” tem as suas divergências?
Bem, eu não tinha. Não ao ponto de enxergar as diferentes orientações sexuais como formas diferentes. Acho que é por isso que existe o termo LGBT+. Porque nós ignoramos tanto a existência delas, que elas precisam se unir para poder ter alguma força e fazer a diferença.
Agora parece até meio absurdo. Imagina que é como se tivesse 10 pessoas em uma sala, mais só uma fosse vista e as outras 9 precisam se unir pra poderem, quem sabe, ter a mesma atenção. E ainda são tratadas como se fossem todas a mesma pessoa.
- Uma pessoa de uma orientação sexual não tem autoridade pra falar pela outra
Isso é outra coisa que eu aprendi com custo. Na lógica “homo” vs. “no homo”, qualquer representante LGBT+ poderia falar por tudo. Mas não. Pessoas homossexuais falando de bissexuais às vezes são tão sem noção quanto heterossexuais. O mesmo de pessoas bissexuais falando sobre pansexuais. E pansexuais falando sobre assexuais. Assexuais falando de heterossexuais. Na verdade, saber ou não saber de algo é uma questão de pessoa, não orientação sexual. O único diferencial é que quando você é LGBT+, fica um passo a frente da pessoa hétero que acha que só existe a própria sexualidade. Teoricamente.
- Relacionamento homossexual é diferente de pessoa homossexual.
Eu estou parando de definir “orientação sexual” de relacionamento, porque apaga as outras orientações sexuais. Você vê uma garota namorando um garoto e chama de um relacionamento heterossexual: pessoas do gênero diferente. Mas pode muito bem ser uma bissexual com um assexual, ou um pansexual com uma mulher trans. Ainda totalmente LGBT+, mas tudo isso é pisoteado quando você usa “heterossexual” pra descrever o relacionamento. E isso não é algo inocente de “questão de semântica” – esse tipo de apagamento é perigoso, porque torna ambientes LG”BT+” também inseguros para essas pessoas. Por enquanto, minha solução é não usar esse tipo de descrição ou usar outra orientação sexual pra descrever: é um relacionamento bissexual. Foda-se. (curiosidade: eu também poderia dizer que Mako e Korra estão em um relacionamento bissexual?)
A parte colorida pode dar confusão. E alguém pode não ter entendido exatamente essa parte, então eu decidi incluir essa parte. Eu falo aqui em outros tópicos como acontece muito apagamento das pessoas que não são héteros e, entre elas, as que não são homossexuais. Descrever relacionamento como “hétero” ou “homo” é uma forma de reforçar a binária da orientação sexual, apagando as outras orientações sexuais. Mesmo que na monogamia (relação entre duas pessoas) você só vai ter duas condições: pessoas do mesmo gênero ou pessoas de gêneros diferentes, não é produtivo para a representação LGBT+ reproduzir essa visão. Por que? Porque quando eu falo pessoas do mesmo gênero talvez eu possa estar falando… duas pessoas genderfluid? Ou quando eu falo pessoas de gêneros diferentes eu posso estar falando uma pessoa não-binária e uma pessoa que se identifica como mulher, mesmo que uma se expresse de modo masculino e a outra de modo feminino? Aliás, eu não sei nem dizer exatamente onde nessa binária de “relacionamento” entre as pessoas trans, tipo um agender. Separar o mundo entre “relacionamento hétero” e “relacionamento homo” é apagar todas essas diferenças. É apagar a existência dessas pessoas.
Por exemplo, quando a gente diz que tem 2 casais gays na propaganda da boticário, a gente tá esquecendo todos esses outros, porque o que todo mundo entende é “são pessoas gays”. É possível que nenhuma das pessoas em um relacionamento do mesmo gênero na propaganda sejam homossexuais, mas isso é o que é visto e como é reforçado culturalmente. Por enquanto, vou usar pessoas do mesmo gênero ou não descrever o relacionamento. Um casal de pessoas pansexuais.
As detailed by the commission, verbiage such as “gay marriage” or “homosexuality” aren’t inclusive and erase bisexual people’s identity. – fonte
- Quando a pessoa transgênero é homem ou mulher
Levei tempo para entender se uma “mulher trans” era uma pessoa que “nasceu mulher” e “virou” homem, ou o contrário. Essa confusão vem porque nós não sabemos conceitos básicos.
5.1- Que a pessoa trans não “vira” de outro gênero, ela é de outro gênero, só que teve o gênero designado no nascimento errado. Na minha família tá pra nascer um bebê e todo mundo já quer saber se é homem ou mulher, o que eles acham que vão descobrir vendo se tem um pênis ou vagina. Digamos que apareça uma vagina na ultrassom: vestidinhos, lacinhos, todo tipo de porcaria rosa vai ser comprada para a nova “princesa” da família. (a pessoa nem nasceu, mas aparentemente já gosta disso tudo) Só que quando a criança crescer, pode ser que ela perceba que nada disso represente a sua identidade de gênero – no fim do dia, a criança sente que é um homem. Essa é uma pessoa trans. Não dá exatamente pra definir gênero. Não é a parte física que determina.
Pergunta: Se eu virar pra você agora e dizer que você é de um gênero diferente do seu. O que você diz? Vou imaginar que “não”. E eu pergunto: Por que? Ainda não encontrei uma boa resposta pra isso, aguarde os próximos capítulos dessa novela. Mas o que eu vi é que essa dissociação com o gênero designado é real e muitas pessoas são oprimidas por não poderem viver como a pessoa que sentem que são. Então se você ver uma mulher trans: não é um homem vestido de mulher. É uma mulher que foi criada como homem.
5.2- A diferença entre cis e trans. Cisgênero é a pessoa que se identifica com gênero designado, ou seja, esse bebê da minha família vai ser uma garota que vai ser criada como garota e viver bem com isso. Transgênero é a pessoa que não se identifica, então ela vai ser criada como garota, mas vai perceber que não se identifica. Essa parte eu sinto que eu não sei explicar direito “Mulher trans” – você consegue saber agora? Eu nem acho relevante saber qual foi o gênero designado no nascimento. Mas quando tava falando de “mulher trans” eu sempre ficava pensando se “mulher” fazia referência a antes ou depois. Resposta: depois. Resposta 2: mas não existe um depois, ela sempre foi mulher.
5.3- Não existem só dois gêneros (feminino e masculino).
Bem, só nesse momento (1 ano depois!!!) eu estou aprofundando meu aprendizado sobre gênero e pessoas trans. Então ainda vou descobrir mais sobre isso, porque eu descobri que o conceito de gênero é muito confuso e relativo. Mas há pessoas que não se identificam com gêneros dentro da binária – homem e mulher. É uma pessoa não-binária. Há pessoas que sentem que transitam entre os dois, não só tipo indo e vindo, mas com partes dos dois, e elas se identificam com genderfluid (o gênero é fluido). Um exemplo de celebridade que não é mulher nem homem é a Miley Cyrus, ela já disse abertamente que não se identifica com nenhum dos dois. Genderfluid, não-binária ou o que? Isso apenas ela pode dizer.
6- Palavras importam
Eu costumava dizer “aaah, mas quando eu uso ‘gay’ não é no sentido pejorativo, eu nem to falando da orientação sexual, eu quero dizer que é algo fofinho e às vezes é uma forma de expressar carinho” [ou ser misógino…]. Como deu pra sentir na questão de definir orientação sexual de relacionamento, o uso de uma forma de falar pode influenciar em uma forma de pensar. A comunidade LGBT+ já pode até fazer um museu de palavras pejorativas usadas pra oprimir ou desinformar. Até mesmo o meu inocente “gay” é uma forma de associar a homossexualidade com um conceito de feminilidade, o que é um estereótipo limitador, quando não é usado como uma forma de reprimir gestos carinhosos porque são muito femininos (Gays). Então, caramba, se você pode deixar de falar uma palavra ou trocar a forma de falar pra respeitar a existência do outro, por que não? Precisa tanto ficar falando “viado” por aí?
Além disso, como eu já disse, no fim não é uma questão de decorar. Quando você entende e aprende sobre a experiência dessas pessoas, vai sair naturalmente.
7- Orientação sexual
Não preferência. Não escolha. Não opção. Todas essas possibilidades dão a ideia de que é uma “decisão própria”. Já falei sobre isso lá em cima. Ninguém escolhe pelo que se sente atraído. Não é uma opção. O-R-I-E-N-T-A-Ç-Ã-O (obrigada ao Paulo por responder todas as vezes que eu fiquei na dúvida)
8- Atração romântica?
Se eu to chegando agora no mar nos gêneros, imagina no mundo da atração romântica. Só há pouco tempo a bissexualidade ficou mais clara pra mim. E eu ainda tenho que ver melhor a assexualidade e pansexualidade. E demisexuais. Mas olha: tá valendo a pena. Como eu falei lá no início: todo mundo tem uma sexualidade (ou se relaciona com isso de uma forma). É um caminho de descobrir as possibilidades do próprio corpo e de quem você pode ser. E compreender as pessoas ao seu redor. Outro dia mesmo tava comentando com a minha amiga que pode ter gente assexual na nossa família (os nossos pais mesmos) e ninguém nem saber, porque não existe a menor informação sobre isso.
9- O medo de rótulos é real. E é falta de conhecimento.
Existe um estigma TÃO pesado em cima da ideia de não ser hétero, que é mais fácil se definir como uma planta do que com um “rótulo” próprio. De um ano pra cá eu já encontrei várias pessoas – na maioria das vezes as que não se identificam nem como heterossexual e homossexual – que simplesmente rejeitam se identificar com um “rótulo”.
Primeiro, que a noção como rótulo já é pejorativa. Ninguém diz que chamar Coca-Cola de refrigerante é um rótulo e se recusa a dizer que é um refrigerante. “Não podemos dizer que são só bebidas? Ou coisas que ingerimos? Não existe diferença entre pão de queijo e suco de laranja!!!” Mas o medo taí. Agora pra mim parece ridículo falar que orientações sexuais são “rótulos”, há 1 ano não era. Inclusive, no grupo do CC tivemos uma discussão longa sobre isso. Eu já achava que de forma pejorativa ou não, esses “rótulos” já eram positivos. Pra explicar isso partiria pra uma longa discussão sobre como nós precisamos de palavras pra poder pensar. “Você não pode ser o que você não pode ver” Então vamos em frente.
Agora minha visão sobre orientações sexuais é muito mais direta. Você se sente atraído pelo gênero igual ao seu e outros? Você é bissexual. É uma definição. Passa na tv dividida em vários episódios ou no cinema em 2 horas? Se você chama série de série e filme de filme, então você consegue dizer que um pansexual é pansexual e um assexual é assexual.
Chamar de “rótulo” é puro apagamento e desvalidação da existência. 🙂
O que não é exatamente culpa nossa, porque nós somos ensinados que só existe um tipo de orientação sexual e que essa é a única permitida. Nossos livros não nos ensinam sobre os outros. É como se eles não existissem. Agora que você sabe disso, continuar tratando como se não existisse é uma escolha de apagamento voluntária.
Bem, não é porque você não sabe que existe que essas orientações deixam de existir. Elas são, inclusive, cientificamente comprovadas. Historicamente relatadas.
Agora, eu acho que a origem disso é a pura falta de conhecimento. É mais fácil dizer que você não se define como nada do que procurar sobre diversas orientações sexuais e descobrir qual descreve melhor você. Mas isso não deixa de ser problemático, porque apaga a sua própria existência e faz parecer que “não tem ninguém assim”, além de perder a chance de encontrar pessoas que são exatamente como você.
Você já sofre opressão de uma cultura heteronormativa e nem sabe.
No tumblr você vai encontrar diversas listas com 9238932892389238 definições sobre diversas formas de relação romântica-sexual. Tipo, gente que sente atração sexual, mas não romântica e não sente necessidade de fazer coisas “consideradas normais”. Às vezes você pode passar a vida toda se esforçando pra ser quem você não é podendo dar uma passadinha no Google e se poupar de muito sofrimento. A escolha é sua. Não é pra dizer para os outros, é pra você.
Mas leve seu tempo. Não é uma tatuagem, é só aprender a se conhecer mais.
10- Gênero diferente de sexualidade diferente de anatomia
Tipo, as pessoas trans, as intersexo e as diferentes orientações sexuais estão unidas sob a mesma bandeira (LGBT+), mas tratam de questões diferentes.
Transgênero é relacionado a gênero (e existe diversas formas de ser trans);
Assexual, pansexual, heterossexual, homossexual, bissexual; são algumas formas de descrever orientações sexuais (já catalogaram listas maiores);
Intersexo é outro termo que reúne diversas condições em que o corpo físico não pode ser definido puramente na divisão mais usada de “fêmea” ou “macho”.
O que une a galera é o fato de que a nossa cultura finge que eles não existem. Pior ainda: tenta oprimir a existência.
E também não é difícil acabar havendo pessoas que se identificam em mais de um. Tipo uma pessoa intersexo que teve o gênero designado feminino, mas se identifica como homem e é pansexual.
Além do fato de que, não importa o que te levou pra Nárnia, uma vez lá é difícil ignorar todo um novo mundo de possibilidades que as pessoas não sabem que existe. Aliás, é o mesmo para causas sociais. Desde o início do CC eu já tava questionando a realidade, mas desde que um movimento definido ganhou força, eu comecei a ganhar direção para pesquisar outros assuntos: etnias, LGBT+, padrão de beleza…
Hm… agora fiquei com muita preguiça de colocar isso no ConversaCult e ainda tenho um (dois ou três) textos informativos sobre pessoas trans pra colocar lá. Então decidi deixar essas reflexões aqui. Se você reparou em alguma besteira que eu falei, discorda ou quer entender mais, fique livre para perguntar. (tirando ódio, to aqui pra aprender e não pra brigar).
Existe um mundo lá fora, um mundo que os livros de História ignoram, que a escola nem lembra que existe e a cultura padrão considera além dos limites. Mas um mundo onde muita gente vive. Mesmo quando não percebem. E sofrem por essa invisibilidade. Eu quero explorar mais isso.
Porém, quanto mais eu exploro mais eu me distancio do mundo que as pessoas “comum”. E eu não quero que essas “descobertas” fiquem na escuridão.
One thought on “1 anos depois do mês LGBT+ no ConversaCult, o que mudou?”