Aconteceu algo muito estranho essa semana: pessoas diferentes vieram me contar histórias sobre pessoas que contaram pra família que eram LGBT+ em situações… estranhas. E funcionou. Mas o curioso é que essas histórias tinham um detalhe em comum. É sobre isso que eu vou falar hoje.
A primeira história é de uma garota bissexual que tava de boa até que a mãe disse que tinha uma namorada. Pausa. Ela pensou que a mãe tava zoando ou jogando verde, só pra tirar a verdade dela, mas acabou que não. Ela conheceu a namorada da mãe, saíram pra comemorar aniversário e ela mesma contou que era bissexual. O curioso é que a família dela é super rígida e ela guardava o segredo por medo.
A segunda história é de um garoto gay que decidiu contar para o melhor amigo. Era o melhor amigo dele desde a quarta série! Daí vem o medo de ser rejeitado e todas essas coisas. No dia seguinte o melhor amigo contou que era bissexual, mas não tinha falado no dia anterior porque esperou pra ver se ele não tava só zoando sobre ser gay.
A terceira é uma garota que de brincadeira colocou no facebook que estava em um relacionamento sério com a amiga, os pais e uma tia viram, confrontaram ela, que acabou dizendo que é lésbica. Não, ela não namora a amiga, essa parte era só uma brincadeira mesmo, mas acabou servindo pra ela contar a verdade. Aparentemente, a tia ainda quis brigar com ela, mas o irmão defendeu.
Essa última é que me fez escrever esse post. Tava pensando como uma coisa tão simples como alterar status de relacionamento no Facebook é algo negado a uma pessoa LGBT+. Essa semana também tava me perguntando por que a capa de Dois Garotos Se Beijando é esse troço feio cheio de letra. A foto de dois garotos se beijando seria demais para uma capa? Aí eu pensei: como é que um garoto descobrindo sobre a própria sexualidade ia comprar um livro com dois garotos se beijando na capa?
MÃE, COMPRA ESSE LIVRO.
Isso não deveria ser o menor problema. Por que um garoto hétero não pode ler um livro sobre um casal de garotos? Mas eu sei que no mundo real se eu fosse andar por aí com um livro estampado a foto de duas garotas se beijando, eu ia me sentir com um cartaz de SOU LÉSBICA, mesmo que eu nem seja. E eu sentiria vergonha disso. Teria medo do que as pessoas vão pensar.
Eu sei que não tem nada errado e é até bom eu andar com um livro assim, mas eu também não sou hipócrita e sei que no mundo real eu ainda tenho bloqueios para enfrentar. E tenho a impressão de que muitas pessoas também, independente da própria orientação sexual. Assuntos LGBT+ têm aquela aura de que você só se identifica se for LGBT+, o que é a coisa mais babaca do mundo. Se fosse assim, acabou 90% dos filmes, séries, livros, etc pra pessoa LGBT+, porque só tem casal de pessoas de gênero diferente.
E isso são pôsters de filme, também tem um monte de capas de livros assim, que as pessoas levam pra cima e pra baixo na boa. Isso também é conhecido como “heteronormatividade” – tratar ser heterossexual como a norma padrão e única a ser seguida. “curioso” é que todo mundo é branco. é, racismo não existe. igualdade, yeey.
Um status do facebook.
Um jantar em família com o namorado.
Uma relação verdadeira com o melhor amigo.
Uma brincadeira boba no facebook.
Às vezes até andar na rua.
São esses pequenos detalhes da experiência de uma pessoa LGBT+, esses pequenos “não pode”, que vão se acumulando e tirando a liberdade da pessoa. E aí vem uma pessoa hétero, que tem o privilégio de crescer sem enfrentar esses problemas (ou enxerga-los), e diz “nós somos todos iguais!” Não, não somos. Não enquanto eu pesquisar no Google e só aparecer pôster com casal de gênero diferente. Não enquanto uma pessoa não se sente livre pra mudar a porra de um status do facebook. Não enquanto tem uma pessoa se sentindo isolada (e se isolando) da família e dos amigos porque não sente que pode falar quem é em segurança. Não enquanto a pessoa, independente da orientação sexual, tiver problema pra bater no peito e dizer que aquele super-herói é o seu ídolo, mesmo que ele não tenha a mesma orientação sexual que ela.
A notícia boa é que, de certo modo, nós já podemos viver nesse mundo. Todas essas três histórias mostram aceitação. Mostram que você não está sozinho. E mais: mostra que talvez a pessoa o seu lado também esteja passando pelo mesmo conflito sem que você saiba.
Aliás, era isso que eu ia falar nesse texto (aí saí falando um monte de outras coisas ;x), mas é sobre esse silêncio. Como será que aquela mãe se sentiu pensando em contar para filha? E enquanto a filha pensava em contar para a mãe? É esse silêncio o maior problema, porque o silêncio afasta as pessoas. Isola. Faz parecer que você é a única pessoa no mundo vivendo aquilo, enquanto não. Muitos casos, ainda é perigoso falar pra família, e não tem como saber o que vai acontecer. É ok não contar se você não se sentir seguro. Ou até não sentir necessidade. Mas acho que vale lembrar que você não está sozinho. E que a reação pode te surpreender.
Aí também a importância daquelas fotos coloridas no facebook. É uma forma de falar. De destruir o silêncio. De criar um ambiente onde ninguém precisa ficar calado. Isso é incrível.
obs: privilégio hétero – poder fazer todas essas coisas na boa. você tem o privilégio de não ter a sua família te confrontando e brigando com você por ter colocado de brincadeira que estava em um relacionamento sério com um amigo de outro gênero. no máximo, aquela coisa chata de “iih tá namorando”, mas aí é outro problema e não tem nada a ver com a sua orientação sexual. é não precisar ficar em silêncio. e se você acha uma bobeira o silêncio, provavelmente é porque tem o privilégio de não conhecer a agressão que pode vir se falar em voz alta.
Legal pra pensar no assunto é esse post no tumblr (em inglês) sobre aquela histórias de que casais do mesmo gênero “vão influenciar os filhos”.
“É esse silêncio o maior problema, porque o silêncio afasta as pessoas. Isola. Faz parecer que você é a única pessoa no mundo vivendo aquilo, enquanto não.”
Uma das coisas mais legais da internet é justamente você encontrar outras pessoas com os mesmos medos, as mesmas dúvidas, os mesmos questionamentos que você. Depois dela, eu nunca mais achei que “será que só eu…?”. E ISSO É LIBERTADOR. Mesmo as coisas mais raras, ainda acontecem com mais pessoas do que apenas uma.
“‘curioso’ é que todo mundo é branco. é, racismo não existe. igualdade, yeey.”
Eu tenho UM livro com casal negro na minha estante:
e olha que tenho mais de mil adicionados.
LikeLike
obrigada pelo comentário ❤ é muuito libertador. é algo tão sinistro, porque tem muita coisa que a gente não repara até ver que tem alguém que é igual e *respira aliviada*
Achei curioso que a autora do livro tem o meu nome. HUAHUAHUAHAUHUAH Eu Americanah, da Chimamanda Adichie. O Fim de Todos Nós é protagonizado por uma garota negra. E… acho que é só.
LikeLike