Esse filme representa tudo o que tem de ruim na representatividade feminina.
Eu não to falando nem do fato de terem cortado uma personagem importante dos quadrinhos. Cá entre nós, quem é Vespa? Eu me importo com ela tanto quanto eu me importava com o Homem-Formiga. Eu nem conheço a personagem direito. E eu sei o bastante pra saber que mesmo que ela esteja nos quadrinhos de origem dos Vingadores como personagem importante, ela nunca teve uma relevância como super-heroína individual no mesmo nível dos grandes super-heróis – Capitão América, Homem-Aranha, Homem de Ferro. TALVEZ SE FIZESSEM MAIS HISTÓRIAS E EU PUDESSE CONHECER MAIS A PERSONAGEM. Mas até mesmo o Homem-Formiga, por mais que eu tenha ouvido falar dele antes e pensado que era zoeira (sério. homem-formiga?), eu pelo menos ouvi falar sobre a existência, o que é diferente da Vespa. Então eu acho que isso é um problema a parte. Importante. Problemático. Triste porque ela parece ser uma personagem bem legal. Mas quero tirar isso do caminho logo porque quando eu falo de que Homem-Formiga é ruim em representatividade, não é sobre o fato de terem ou não incluído a mulher, ou que poderia ter sido o filme dela, ou que poderia ser UM FILME EM DUPLA, ou que ela poderia ter tido um papel relevante, ou que ela poderia ter alguma utilidade na história além de morrer pra um cara babaca ser possessivo, ou até do futuro em que a Hope possa substituir o papel da mãe, ou até virar uma super-vilã.
De uma forma ou de outra, essa não é a questão principal.
A questão é que é um filme que representa a mulher invalidando sua existência (e diminuindo seu valor).
Pra começar que você só tem 5 mulheres na história.
Janet van Dyne – aparece 1 segundo pra morrer, não tem fala, nem ao menos rosto. É chamada de “heroína”, mas está longe de ser tratada como tal. Pelo contrário, Hank Pym acha que é culpa dele a morte dela, o que é só outra forma de tirar da mulher a responsabilidade sobre as próprias ações. Compara talvez com a morte do Capitão América. Não fizeram um filme com a Agente Carter parando o mundo por causa dele, ou deixando de ser heroína por culpa de ter influenciado o pobre coitado a se submeter a uma transformação. Não. Nenhum momento tiram do Steve o poder sobre as próprias decisões – ele sabia no que tava se metendo e fez porque quis. E, mesmo depois da morte, criam um MUSEU em sua homenagem.
Agente Carter – aparece 1 segundo velha só pra amarrar a história na linha temporal do MCU. Ela tá em cena só pra ser um meio termo, ela não tem a menor influência nos acontecimentos da cena em que tá e nem parece envolvida com as ações. É cenário.
Filha do Scott – faz papel de filha. que deve ser protegida. Como o Janet van Dyne, tá na história pra ser motivação.
Ex-mulher do Scott – Mãe preocupada que atrapalha o Scott. Ela é o que impede o personagem de chegar na filha. É do mal (provavelmente porque não é mais mulher dele). Arranjou outro marido protetor, porque o Scott não era bom protetor.
Hope Van Dyne – filha do Hank. Tá ali porque… o personagem precisava de um interesse romântico? Ah, não. Pera. Ela é a motivação do pai dela. Ele trata a filha do mesma forma que trata o traje do Homem-Formiga: como algo precioso que deve ser escondido em um cofre. E dado na mão do homem certo. (o Scott)
(HAUHAUHAUH não acredito que isso é um pôster sério) (na realidade é mais o contrário…)
Problemas:
1- Todas as mulheres nessa história são objetos de homens.
2- Nenhuma das mulheres têm capacidade de tomar as próprias decisões e poder sobre a própria vida
3- É uma história COM UMA MULHER LUTANDO PARA TOMAR AS DECISÕES NA PRÓPRIA VIDA e sendo interrompida por homens que não querem ver sua propriedade correr perigo (até que OUTRO HOMEM faz ele perceber que talvez ela tenha capacidade de cuidar de si)
4- Reproduz estereótipos ruins (o problema da única história)
5- Só tem 5 mulheres e apenas 1 relevante (contra 6 homens relevantes)
6- O fato dela ser super competente a ponto da única coisa que impede ela de ser a protagonista do filme É O PAI NÃO QUERER é super frustrante, e uma metáfora sinistra pra situação do MCU. Verdade seja dita: temos super-heroínas competentes. Mas são os homens em comando da vida real QUE NÃO APROVAM FAZER ADAPTAÇÕES COM ELAS PROTAGONISTAS
7- É mais um filme numa sequência de filmes assim que faz as mesmas merdas
8- Apagamento apagamento apagamento
9- Mesmo quando fazem uma história onde uma mulher é heroína ou quer mais, FAZEM DA PERSPECTIVA DE COMO ISSO AFETA O HOMEM.
10- Mulheres não são tratadas como pessoas
Tem até coisas boas de representação, tipo o fato de que ela é que ensina o Scott a lutar de verdade (força física), mas… acho que um filme nunca me irritou tanto. Ele é exatamente o contrário do que Mad Max: Fury Road mostra – é um exemplo do mundo que a protagonista Furiosa tenta fugir. Um exemplo real. Contado com piadinhas. Atores carismáticos. Personagens que nós queremos muito gostar. Formigas fofinhas. Tiradas inteligentes.
É muito fácil entender o problema quando tá todo mundo desesperado correndo em um deserto e o chefe problemático parece assim:
(foto)
O difícil é lutar contra quando ele é o herói da história.
Quando é engraçado.
Só relaxa.
Bem… Não se engane.
Uma porrada não dói menos porque foi alguém bonito que deu.
Mesmo quando você não quer ver.
Hope Van Dyne.
Hope significa esperança. E como indica a cena pós-créditos, talvez seja legal ter esperança.
Mas eu pergunto: Por que ter esperança? Ter esperança do que? De existir? Com mais de 10 filmes protagonizados por homens brancos, eu tenho que ter a esperança de existir talvez algum dia? Tem noção de que eu já existo? De que eu sou uma pessoa real? Que eu vivo além do fato de que eu sou namorada, irmã ou filha de alguém? Ter esperança????
Isso é uma piada?
Eu realmente não estou rindo.
(essa capa fez mais sentido)
Esse filme foi pior do que Game of Thrones e Jurassic World juntos. Eu não sei por que ele mexeu tanto comigo, talvez porque por acaso a história da Hope retrata bem demais uma situação opressiva, que é a que estamos vivendo agora em relação ao MCU (opresseption), que é um eco das limitações de gênero no geral. E é triste demais ver a personagem aparecer, ser mostrada como WOW e simplesmente não ser reconhecida e nem poder fazer nada com isso. É triste ver a personagem EXIGIR mais e ser silenciada com um “você é preciosa”. Tudo isso pra no fim receber o próprio traje de Vespa – nem por mérito próprio, por causa do Scott (porque ela SOZINHA NÃO TEM VALOR, ELA SOZINHA NÃO FOI O BASTANTE PRA O PAI VER, UM HOMEM TEVE QUE MOSTRAR).
Ela ainda recebe DEPOIS que o filme acabou. Aquela cena é a síntese de uma desvalorização filha da puta. É a prova de que feminismo se chama FEMINISMO PORQUE, SIM, AS MULHERES NÃO TÊM O MESMO VALOR QUE OS HOMENS. Mesmo que a Hope van Dyne seja MUITO mais competente que o Scott, ELE É O PROTAGONISTA. ELE RECEBE O TRAJE. E a única coisa que causa a diferença é que ela é uma mulher. Ver aquela cena sabendo que ela não foi protagonista por ser mulher, que talvez ela nunca seja protagonista por ser mulher. Esse filme é a síntese da desigualdade de gênero. E eu não consigo assistir isso aplaudindo e me divertindo.
AH. E tudo fica ainda mais crítico porque ela é uma personagem fictícia, o que significa que ESCREVERAM a personagem assim. Poderia ter sido ela a fazer qualquer grande descoberta, a vencer o vilão, a ser mais do que uma propriedade do pai. Inclusive, poderiam escrever ela MOSTRANDO PRA O PAI A MERDA QUE ELE TÁ FAZENDO E NÃO ACEITANDO MERDA. Mas em vez disso escreveram o Scott sendo o cara legal e ela aceitando ser patrimônio da família. Esperando até que o pai deixe que ela siga o próprio “destino”. A pior parte é que eu acho que os escritores não fazem ideia de que estão fazendo isso. Muita gente assistindo não faz ideia de que isso tá acontecendo. Afinal, ninguém tá vendo nada diferente do que acontece dia a dia por aí. A mulher não ter o mesmo valor que o homem é algo cotidiano. Não deveria ser.
Por isso feminismo precisamos do feminismo.
Já vi definirem feminismo como “a noção radical de que mulheres são pessoas”. Filmes como Homem-Formiga mostram que isso faz sentido, porque ainda precisamos ver mulheres como pessoas.
Escrever isso me fez entender o que me irritou no filme. Não só tem um monte de merda (a questão da Vespa ser apagada que eu falei no início, ou o fato da única mulher relevante ser a Hope – não precisava nem desenvolver a personagem se eles queriam tanto essa trama! colocava outra. colocava um daqueles ajudantes do Scott como mulher. Colocava dois. Colocava o vilão. …), mas Homem-Formiga é um exemplo duplo de como mulheres são tratadas nas histórias e no mundo real com menos valor que o homem.
Indico esse texto nas partes de Arrow e The 100 como um exemplo de que você pode fazer um personagem protetor possessivo ou colocar uma mulher em situações em que ela não tem controle, mas ao mesmo tempo não tirar o poder da mulher sobre o próprio corpo.
rascunhos
tudo o que tem de ruim:
– mulher sem agency
– parece legal e divertido, dá pena de criticar
– mulher posa de poderosa
– só tem uma mulher
– representatividade a nível micro (personagem) ruim por causa da agency e estereótipo
– representatividade a nível médio (mulheres no geral) ruim por falta de diversidade e estereótipo
– representatividade a nível macro (personagens mulheres no geral, identidade de gênero da mulher, adaptação dos quadrinhos) uma merda
Tem coisas boas, tipo o fato de que pelo menos ela não é só uma mulher que chora e luta (mesmo que sob comando dos homens) e ela é representada tão competente quanto o Scott. A única diferença é que ele é dono de si, ela não.
O que é “agency”? Já li em outros lugares, pesquisei, mas não achei o sentido que acho que deve ter.
Mas bem, “Mas até mesmo o Homem-Formiga, por mais que eu tenha ouvido falar dele antes e pensado que era zoeira.”
Eu só ouvi falar dele com o filme e meu pensamento foi exatamente este, SÉRIO HOMEM-FORMIGA???? Até hoje não consigo imaginar o que seria uma homem-formiga (me lembra daquele filme do cara que vira uma mosca O.o).
Eu nem vou falar da representação das mulheres nos filmes porque você já disse tudo e é tããão decepcionante…
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Agency: é “agenciamento”, mais pra “capacidade de tomar as decisões da própria vida”, “controle da própria vida”. Eu tenho usado um pouco “autonomia” e “capacidade de fazer as próprias escolhas” em uma tradução furada. É tipo em Homem-Formiga, ela quer usar o traje especial pra ser a super-heroína, mas o pai não deixa, ele rouba a agency dela. No CC também tem um post sobre a síndrome trinity que fala basicamente disso. A mulher é foda, aí chega na história e não tem controle sobre as próprias escolhas ou é colocada de lado pra o homem brilhar. Aprender sobre agency é super importante, depois que a gente começa a notar isso repara em como é muito comum as mulheres serem tratadas como “algo” de um homem, que decide por ela. (sinto que essa não foi a melhor explicação, mas acho que dá pra começar a entender)
HUHAUAHUHA é um homem que fica do tamanho de uma formiga, consegue controlar formigas, etc. Apesar da ideia de um homem em miniatura parecer uma piada, é bem interessante como eles usam o poder dele. Imagina só um exército de formigas. Com a capacidade mental do homem. FUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUU
Acho que preferia um exército de Hulks
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