Tava conversando sobre a notícia de que iam fazer um museu da mulher e acabaram fazendo o museu de um cara que matava mulheres, e toda essas má representações tipo Homem-Formiga, e eu comentei que a parte mais sinistra é que isso é um reflexo de tentar valorizar as mulher.
Homem-Formiga, Jurassic World, Os Vingadores 2, Kingsman Serviço Secreto… são todas as histórias que fazem merda na representação, mas têm outra coisa em comum: vontade de valorizar a mulher. É uma ironia triste. E que tem acontecido em todo lugar por aí.
Isso é um resultado de valorizar a mulher enquanto você tem uma mentalidade machista vivendo em um contexto machista. O que eu quero dizer é que ser machista ou não, não é uma questão de “Eu amo mulheres”. É uma forma de viver e pensar que privilegia o gênero masculino e oprime o gênero feminino. Mas nem todo mundo percebe isso.
Com as críticas sobre representatividade muita gente vai se ligando na falta de “mulheres fortes” por aí, é fácil pensar “ei, eu não quero ser um babaca machista. eu amo mulheres. eu acho que elas são super importantes.” Verdade seja dita: você tem que ser mesmo um babaca pra dizer 100% que você acha que mulher (ou qualquer minoria) é inferior e deve ser oprimida. E até algumas pessoas que agem dessa forma, realmente pensam que estão agindo de acordo com o melhor pra humanidade. Ou seja: ninguém se vê como o vilão.
Ainda mais se você é um artista. Trabalha com o campo das ideias.
Muitas histórias, principalmente a de super-heróis, são sobre fazer a coisa certa. Salvar o dia. Ser o herói. Ser a pessoa do bem.
Então eu acho muito difícil que alguém faça de sacanagem. Mas por que continuam fazendo então???
Jogos Vorazes já resumiu isso com a frase “lembre de quem é o verdadeiro inimigo” – não são as pessoas que estão arena te atacando, é o sistema que permite que a arena exista e colocou as pessoas ali.
Entre o “eu amo mulheres” e desafiar toda uma estrutura que oprime a mulher há um longo caminho. Até porque significa entender que mulheres também podem não ser amáveis. Mulheres podem não ser importantes. Mulheres podem ser filhas da puta, putas, cafetinas, clientes e todo tipo de coisa. É reconhecer, enfim, que elas são pessoas.
Acho que essa é a parte mais difícil de entender: elas são pessoas. Dá vontade quase de dizer: ok, escreva esse filme só com homens como você faria, depois pega metade deles aleatoriamente e coloca nome considerado feminino e atrizes pra interpretar. Pronto. Não é a transição perfeita, mas pelo menos é mil vezes melhor do que escrever mulheres como a ideia que a pessoa tem do que é mulher, não como pessoas.
Alguns dos resultados desse “eu amo mulheres” são:
1- Uma história onde tem apenas >uma< mulher. O vilão? O capaganda do vilão? O segurança armado que passa lá no fundo? O melhor amigo? Naaaaaah.
Eles se preocupam em colocar a mulher, mas esquecem que mulher é pessoa e que pode ser qualquer pessoa de fundo na história. Quando não criam A mulher (que tem o papel de ser mulher – Viúva Negra, Gamora, a mulher de Os Mercenários, praticamente toda mulher que aparece sozinha em filme de ação).
2- Mulheres super-poderosas que não fazem nada
Eles querem tanto mostrar que a mulher é foda e independente e que eles reconhecem a importância dela que escrevem A MULHER PUSSY DAS GALÁXIAS. Só que ela não pode salvar o dia, porque essa é a história do herói. Então eles não têm ideia do que fazer com ela. Mandam a mulher pra o espaço na batalha final pra enfrentar o medo de altura (com discursos motivacionais do protagonista) enquanto ele enfrenta todo um exército. Cria um drama de família em que o pai não deixa ela fazer o que quer. Ou, como em Interestellar, apenas diz que ela é incrível enquanto foca só no homem.
Aliás, esse é o efeito mais engraçado. Alguns vão longe o bastante a ponto da mulher ser, de fato, a heroína da história. E não se poupa em elogios sobre o quanto ela é foda. (mas a história inteira é contada da perspectiva do homem, dos dramas dele, de como ele se envolveu e ajudou a salvar o mundo)
Basicamente, pensam que valorizar a mulher é dizer que ela é incrível. E é. Mas começa a ficar estranho quando se torna algo da boca pra fora e elas não ganham os próprios filmes pra protagonizar.
3- Desenvolvem arcos com base no filtro feminino
Já fiz um post sobre camadas de representatividade onde eu falo do filtro feminino, que é escrever de acordo com a ideia do que é mulher. Isso é muito comum quando eles decidem valorizar a mulher dando uma história pra personagem (yay!). O problema disso é que eles precisam escrever essa história. Sabe aquele negócio de quanto mais a pessoa fala mais chances de falar merda? Pois é.
É realmente difícil entender que uma mulher pode ser algo além de mãe, namorada ou filha. (Sense8, por exemplo, Sun é a filha, Kala é a namorada e Riley é a mãe. O drama das histórias delas é definido pelo dilema de lidar com esses papeis. A única que fica fora é a Nomi, que o drama é o próprio corpo)
Em Vingadores 2 Viúva Negra e Hulk se aproximam pelo fato de que os dois podem ser um monstro e destruir todos ao seu redor. Ele porque é um bicho verde sem controle. Ela porque perdeu a capacidade de ter filhos. E, como essa é a história pra mostrar que ela não é mesmo um monstro, eles corrigem isso… MOSTRANDO QUE UMA MULHER SER BOA NÃO DEPENDE DA CAPACIDADE DE TER FILHOS???? Não. Fazendo ela virar a mamãe dos Vingadores.
“Eu to sempre tendo que limpar a sujeira de vocês, garotos”
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Isso é o que eu consigo pensar agora. Eu queria mesmo é falar sobre essa ironia. E essa a parte triste que é um efeito das pessoas quererem fazer algo legal. Se você pegar um filme onde não se importam, não tem nem o que comentar, porque não tem mulher ou ela tá jogada em algum canto gritando por ajuda. Mas quando tentam fazer algo, aí acaba tendo o que falar.
Eu analiso bastante as histórias. Mas espero que eu não esteja transformando em um processo de crucificação. O meu objetivo é mais entender o que tá sendo feito e como melhorar o que fazemos.
A forma como nos expressamos (seja no whatsapp, posts ou histórias) diz muito sobre a forma que pensamos. Então a ficção é um dos caminhos mais rápido para compreender a mentalidade machista e, então, como desmonta-la de forma que mulheres possam começar a ser vistas como pessoas.
E acho que esse é o ponto crucial: ver mulheres como pessoas. Valorizar é ver mulher como pessoa e igual. Isso significa ver além do fato de que ela é uma mulher e do que você pensa que o gênero feminino seja (ou possa ser).
Sabe o que seria legal? Um museu pra estudar uma mulher que saiu matando pessoas. Ok, não legal. Isso mexe com a forma que violência é representada e é outra coisa que eu quero repensar. De qualquer forma, ainda seria melhor do que um museu sobre um cara que mata mulheres.