No tumblr às vezes a gente encontra coisas maravilhosas e uma delas foi o texto “Why Beauty and the Beast is Not About Stockholm Syndrome” – Ou como A Bela e a Fera não é sobre Síndrome de Estocolmo.
Quando eu vi isso, eu fiquei dividida. Bem, parecia meio óbvio pra mim que a história não era isso. Pra dar ideia, alguns exemplos que outro post no tumblr deu de Síndrome de Estocolmo eram Frollo e Quasimodo / Rapunzel e a “mãe”. Dá pra ver que a relação da Bela com a Fera era diferente disso.
Mas ao mesmo tempo… eu não estava convencida de que era uma relação saudável.
Caramba, A Bela e a Fera é basicamente sobre um cara monstruoso que aprisiona uma garota contra a própria vontade, só porque ele pode. E no fim ele é o príncipe maravilhoso por quem ela se apaixona. Wtf.
Então eu li o texto… e é uma das melhores análises sobre A Bela e a Fera que tem, mostrando todas as qualidades da história e como não é tão simples quanto parece. Ele é um monstro, por causa do que o que a sociedade o transformou, mas o arco dele é aprender a não ser um monstro e trata-la direito. Enquanto Bela, outra pessoa que é renegada pela sociedade (por não ser “””como as outras garotas”””, por gostar de ler), tem um senso de honra e coragem que o próprio pai não teve para resolver os problemas, e não aceita toda aquela merda grosseira da Fera. Aliás, esse é o diferencial. Essa oposição é o que faz ele começar a se transformar. No melhor estilo “wow, eu sou um babaca! wow, eu não preciso ser!”
Ou seja, também tá pra dizer que A Bela e a Fera é sobre uma garota que não aguenta um cara sendo babaca, deixa isso claro, e ele se dá conta disso e decide ser “um príncipe” com as pessoas.
Acrescento inclusive que tem um paralelo dele com o Gaston, que também é um babaca, mas não está nem aí pra nada – ele quer forçar a Bela a casar e trata-la como um prêmio. Quando você coloca os dois comportamentos lado a lado vê que não é essa a questão da Fera.
Também foi legal perceber que a mesma confusão é a mesma que acontece com Crepúsculo, porque as histórias são quase que as mesmas (pelo amor de deus, o nome da protagonista é Bella, não dá nem pra fingir). Edward, assim como a Fera, se vê como um monstro e acha que precisa ser um monstro. Ele não consegue ver que não precisa ser. E apesar dele tentar protege-la dessa vida de perigo dele, às vezes passando por cima do que ela quer, os 4 livros são basicamente a Bella dizendo: EU QUERO VIRAR VAMPIRA, CARALHO. ME TRANSFORMA.
Edward: Não, é uma maldição.
Bella: TO NEM AÍ, ME TRANSFORMA. VOU PEDIR PRA ALICE ME TRANSFORMAR.
Enfim, deixando isso de lado. Eu sempre defendi esse ponto de Crepúsculo, então ver ele jogado na minha cara através de A Bela e a Fera, meio que roubou os meus argumentos. Eu não poderia defender um e não defender o outro. Certo?
Certo, mas eu ainda tenho coisas a falar. Isso aqui nem vai pra Crepúsculo, porque acho que os problemas da história sejam outros. Vamos focar a Bela e a Fera. Ou o contrário disso: não vamos focar.
Em um mundo lindo, A Bela e a Fera é uma grande história. E é. Como o texto mostra, há muita coisa positiva pra aproveitar e se vamos espalhar uma mensagem da história, que seja a de encontrar o seu lugar e amor. A Fera é uma grande metáfora para o caso das minorias agressivas. Talvez eles estejam reagindo assim porque cresceram ouvindo que são monstros e sofrendo violência – essa é a linguagem que eles aprenderam, porque é o que o mundo mostrou pra eles. Bela é o exemplo de que existe outra linguagem. De que você pode ser quem você é.
Poderíamos analisar infininamente e ver o quão poderosa essa história é.
Porém, não vivemos nesse mundo lindo. A Bela e a Fera existe em um contexto. Existe ao lado de outras histórias. Existe na forma como pensamos no dia a dia.
E nessa perspectiva cru sem parar pra pensar os detalhes, a mensagem de A Bela e a Fera é: mesmo que ele seja um babaca, a garota amorosa pode cuidar dele.
E, ok, é uma mensagem linda e eu levo isso pra vida. Talvez a Bela seja a personagem que eu tenha mais em comum. Enfim.
Só que nós viemos nessa cultura onde romantizamos violência. Onde perdoamos mais os homens por serem babacas e tratarem garotas como lixo. Onde… basicamente, toda essa merda sobre a nossa cultura que o cara falou no tumblr.
Então A Bela e a Fera pode não ser em si sobre viver em uma relação abusiva, mas pode se desdobrar em um convencimento pra uma garota viver em uma relação abusiva. 50 Tons de Cinza é um desses desdobramentos.
Ainda mais porque, quando você olha em volta, cadê as garotas que não são compreensiva?
Cadê as garotas que dizem “aqui, queridinho, foda-se. não sou obrigada.”? Por que o homem é permitido ser esse monstro agressivo, ou não se importar, e a mulher tem que ser sempre amorosa, compreensiva, princesinha, etc etc?
Por que a gente olha em volta e vê mil história que decidem passar essa mesma mensagem, mas não o contrário?
O Belo e a Fera não rola? E, quando rola, é tipo Jurassic World, onde é mais uma série de “VOCÊ É TÃO CONTROLADORA E CHATA, RELAXA. SEJA LEGAL”, em um contexto em que ela não é nem realmente uma fera – ela só tá querendo levar a própria vida. Mas a mulher não vira Fera oh-meus-problemas-de-raiva, a mulher vira a “bitch” e “bossy” e chata.
Se você pega Cinderela – está lá também, ser superior e compreensiva. Branca de Neve é tão legal que até os bichinhos falam com ela. Tiana e Merida decidem reagir – uma vira um sapo, a outra faz a mãe virar uma ursa.
Resumindo: A Bela e a Fera é legal, mas pode virar mentira pra sustentar relação abusiva e falta histórias onde as mulheres reagem à Fera e, de preferência, não virem um troféu de consolação por ele ser uma pessoa decente. Falta histórias onde a mulher é a Fera. Falta histórias onde mulher não é compreensiva. Porque, no fim do dia, essa é a realidade. Mulher também tem direito de ser babaca e (você não vai acreditar!) até se preocupar com si mesma. Sabe, se colocar em primeiro lugar. Fazer o que quer. Aliás, fazer isso sem ser tratada como uma Fera.
Pior é a Cinderela, que no fim da história chama a madrasta e as irmãs malvadas pra morar com ela no castelo com o príncipe. Sempre essa história de ser superior, não guardar rancor…
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o que é outra mensagem linda, né? enfrentar algo difícil e mesmo assim ver que o que causa isso não é a pessoa em si. retribuir ódio com amor. etc. Cinderela é a história do Peeta em Jogos Vorazes. Mas aí cai na mesma questão: por que sempre isso? Além de Jogos Vorazes, onde você encontra esse padrão sendo revertido?
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