Ok, eu estou aqui lendo sobre casas de hogwarts e tentando entender cada uma. Não é só um distrativo legal, é meio que um exercício de auto-conhecimento e muito aprendizado sobre quem você quer ser. Eu basicamente adoro isso.
Surgiu na minha cabeça uma fanfic de The 100 no universo de Harry Potter e como o Diego não assistiu, estou eu sozinha tendo que me virar pra descobrir em qual casa os personagens pertencem. E daí que eu acabei numa jornada de descobertas sobre casas de Hogwarts, a minha identidade e a forma como nos relacionamos com isso.
Quem você seria se só pudesse ser uma coisa?
Vou começar falando de Divergente, que é outro universo literário onde você precisa entrar em uma caixinha de identidade. A diferença entre Harry Potter e Divergente, obviamente, é que o segundo é uma distopia que basicamente critica essas caixinhas e discute a nossa formação de identidade, enquanto no mundo da JK Rowling nós assumimos orgulhosamente nossa identidade. Como eu sempre fui grifinória declarada, eu pensava que apesar disso ser um rótulo limitador*, as casas eram montadas de tal modo que é mais fácil você encontrar o seu #time. Enquanto em Divergente parecia impossível ser de uma facção só.
É porque é distopia, eu pensava.
E, definitivamente, a história de Divergente (ênfase no: DIVERGENTE) é desenvolvida para ser impossível escolher uma das facções. Se você é uma pessoa normal, você é divergente. Você é uma combinação única de todas as características (abnegação, audácia, erudição, amizade e honestidade). Você pode até ter alguma afinidade, mas todas as etapas de iniciação nos livros são destrutivas demais, porque você não é uma coisa só absolutamente. E nesse mundo você tem que ser.
Depois de terminar a trilogia eu aprendi a ver as facções de uma forma diferente. Não apenas como um casa de Hogwarts yeey minha identidade, mas como o meio pelo qual você arriscaria a sua vida para sobreviver. Aquele último recurso em uma situação extrema. Você vai morrer se não agir de tal modo, qual seria a sua escolha?
E eu descobri que no fim do dia eu escolheria a Audácia. Seria um terror absoluto pular de prédios, de trens em movimento e as outras merdas que você tem que fazer, mas enfrentar meus medos é uma das formas que eu conseguiria. Diferente de erudição, por exemplo, em que eu ia ter que ficar estudando igual a louca – apenas não! Ou abnegação, que eu teria que abrir mão totalmente da minha identidade.
*Pausa pra refletir sobre como você não escuta ninguém dizer “AH, GENTE, PRECISA ASSUMIR QUE É DE TAL CASA DE HOGWARTS? PRA QUE RÓTULOS?”, “eu até posso ser sonserina, mas não gosto que as pessoas saibam”, “eu sou corvinal, mas uso uma gravata branca porque não gosto de me definir” – e isso vai pra facção de divergente, signo astrológico, pai olimpiano… mas aí quando discute sobre sexualidade de repente as identidades são chamadas de “rótulos” e se transformam em uma coisa nociva. “aah, pra que tudo isso? por que não é todo mundo igual? pra que esses nomes?”
E quando você é um pouco de tudo?
Aí agora eu estava estudando as casas de Hogwarts. O que em si é um desafio a parte. Eu descobri que eu me encaixo bem em todas as casas. O Diego outro dia disse que eu sou Lufa-Lufa ou Sonserina (e eu confio muito na análise dele, tanto de mim quanto das casas de hogwarts), então eu tenho elementos fortes das duas casas. O ConversaCult é basicamente o meu templo em nome da Corvinal. E Grifinória… bem, sou eu. Mas vou falar disso depois.
Então ver sobre essas coisas me deixou bastante em dúvida. Ainda mais quando descobri que o elemento da Sonserina é água e eles têm uma sala comunal foda embaixo da água com janela com vista para o fundo do lago – e enquanto eles dormem escutam o barulho da água. Eu não imagino que deva ser legal acordar de madrugada e dar de cara com uma daquelas sereias ali te olhando, mas fora isso ok.
Enfim, isso me perturbou porque eu olhei para as análises de todas as casas e praticamente “eu aqui. olha só. eu. eu. e… eu.”
Quem você escolhe ser?
Foi aí que eu lembrei da minha relação com Divergente e refleti que isso se aplica aqui. No fim do dia, nós são somos pessoas unidimensionais que cabem em caixinhas fechadas. Todos nós temos características de todas as casas. Mas quem nós queremos ser? O que, no fim do dia, é o mais importante?
Eu aprendo muito com todas as casas. Sim, aprendo. Estou falando de casas de uma escola literária fictícia, mas cada uma representa valores reais. São diferentes formas de navegar o mundo. E eu gosto de aprender sobre as possibilidades de existência. Eu gosto de aprender ver o mundo de mais do que um ponto de vista. Quando surgir uma situação, eu quero ter a opção de escolher o modo mais apropriado em vez de ficar batendo na mesma tecla. (o que é uma perspectiva bem Corvinal/Sonserina, se você pensar) Provavelmente por isso o meu elemento principal é água – eu quero poder mudar pra me adaptar.
Só que, no fim do dia, é a grifinória. É a grifinória que eu quero dominar. A coragem. A força pra fazer o que você >sente< que é o certo. A impulsividade. Até todo o troço da bússola moral, que é bastante como eu me guio. É até meio idiota esse ideal do cavaleiro da grifinória, mas talvez ser idiota o bastante pra seguir isso seja mesmo uma coisa grifinória. É quem eu escolheria ser se fosse necessário. Talvez até escolher ser Grifinória seja uma coisa da Grifinória…
Então acho que não importa muito as suas características o que o teste da internet deu (apesar dos meus serem sempre grifinória). É aquela que faz >sentido< pra você e que você quer “fazer escola”.
E passar por esse processo de descoberta é muito legal pra descobrir quem você é e quem você pode ser no mundo real.
Mas não é só isso. Como assim?
As pessoas se transformam
As casas são cheias de pessoas que parecem não se encaixar muito bem (rola umas teorias de que o Harry é Sonserina, o Rony é Lufa-Lufa e a Hermione é Corvinal), você tem exemplos como o Peter Pettigrew e acho que o Dumbledore fala que às vezes acha que as casas são divididas muito cedo. Afinal, quem é que sabe de alguma coisa aos 11 anos?
“Snape passou por uma enorme transformação de personalidade na vida passando de covarde para uma pessoa muito corajosa, e apesar dele ser Sonserina ele incorporou o que é a base da Grifinória”
O que nos leva para The 100, onde tudo isso começou. Eu estava tentando saber em qual casa os personagens se encaixam e, lendo as descrições, eu me dei conta de que uma delas, a Lexa, poderia ser lufa-lufa. Não. Não apenas poderia. Ela é 90% do tempo lufa-lufa.
Se você não conhece The 100, acredite em mim, isso é um choque. Um choque tão grande que eu provavelmente ainda vou usar Corvinal pra ela na minha fanfic. Mas por quê?
Em The 100 essa personagem Lexa é tipo uma das pessoas mais poderosas do mundo. Ela é uma líder implacável, ela é uma guerreira sinistra. Uma das cenas que eu mais gosto dela tem um diálogo tipo:
Personagem 1: Você não pode mandar matar Fulano só porque você não confia nele.
Lexa: Sim, eu posso.
Ela tá em uma posição muito foda, e uma que ela conquistou com muito suor, sangue e sacrifício. Você precisa assistir a série pra ver todas as coisas devastadoras que ela fez – não por engano, inocência ou “coração” como a protagonista Clarke.
A frase de efeito da personagem é “amor é fraqueza”. Nada do que você espera do estereótipo de bobões dos lufanos ou o “paz e amor”. Mas se você para pra pensar na personagem e por que ela faz isso, começa a fazer sentido.
Então seria ela uma lufa-lufa no pós-apocalipse?
(A- Isso é a versão da lufa-lufa nesse contexto específico? )
Porque verdade seja dita: há situações em que ninguém pode ser o bonzinho. The 100 é ótimo pra ver isso, porque é justamente sobre o fato de que ninguém pode ser o bonzinho. Então o que acontece com essas pessoas nessas situações extremas?
Se o caso do Snape mostra que não é só uma questão de quem você é, mas de quem você pode se tornar; o caso de The 100 mostra como uma situação pode te transformar.
Seria Lexa uma Lufa-Lufa que não pode ficar na sombra e água fresca no oásis da amizade? É desse jeito que um lufa-lufa fica nessas condições?
B- Ou ela teve que assumir uma “identidade” diferente da dela pra poder sobreviver?
Ou seria Lexa uma corvinal (ou sonserina, ou grifinória) que não teve absolutamente a menor escolha? Ela é uma guerreira treinada, ela foi escolhida pra posição dela e acredita que não tem opção. Ela é o que ela precisa ser. As características de lufa-lufa que ela assume são o melhor caminho que ela encontrou pra sobreviver. Então quem ela seria se fosse livre para ser qualquer pessoa?
(cá entre nós, o fato dela pensar que não tem opção e não investigar melhor a situação é o que me leva a descartar sonserina e corvinal na classificação dela. e ela focar o bem geral acima de si mesma, do jeito que ela faz, descarta a grifinória)
Mas aí fica a dúvida. Ela definitivamente é a primeira a ser diferente na posição que ela assume, ela faz coisas que ninguém antes dela fez. Isso é um exemplo de que não é apenas a situação, é o modo pessoal dela de lidar com as coisas. E o que é isso? Até o ponto em que conhecemos a personagem, a resposta pode ser tanto – medidas extremas para garantir o bem geral (lufa-lufa); ou o fato de que ela é muito esperta e reparou que não precisa ser apenas assim, afinal foi a mente aberta dela que permitiu as alianças (corvinal).
Às vezes eu penso que talvez a junção dos dois poderia resultar em uma Lexa Sonserina, porque teria a lealdade da lufa-lufa (vamos refletir que sonserina é “onde você encontra os seus verdadeiros amigos” e os comensais da morte são um grupo bem fechado) e a esperteza necessária pra fazer o que ela fez, mas ao mesmo tempo com mais facilidade de sujar as mãos na prática do que esses dois. Mas a forma como ela se sacrifica pelos outros… ela literalmente não faz nada do que ela quer.
*Respira fundo* Queria a análise do Diego.
Em fanfics, onde normalmente é um universo alternativo no mundo real em que Lexa não é pressionada por todas essas obrigações, ela acaba sendo escrita como uma corvinal. Mas isso não é prova de nada. HUAHAUH
Acho interessante que, assim como sexualidade, a casa de Hogwarts no fim do dia só pode ser uma escolha dos autores. Porque enquanto nós, pessoas reais, sentimos as coisas em primeira mão e não podemos simplesmente mudar de boa; essas motivações primordiais dos personagens são inventadas. No ponto em que estamos de The 100, os autores podem decidir que a Lexa seja de qualquer uma das casas. Se a escrita for ruim, você ainda tem um personagem Frankenstein que cada dia fica diferente.
Valores são colocados em prática de forma diferente dependendo da situação e da pessoa
Outra coisa que vale a pena comentar é que o “o quê” costuma ser bem diferente do “como”. Por exemplo, o básico de grifinória: coragem! yeey. Mas como é ser corajoso? Enfrentar uma situação perigosa, mesmo que ela te faça mal? Ou dar o fora dessa situação buscando uma opção mais arriscada? Os dois casos necessitam coragem e ao mesmo tempo são uma forma de covardia.
Ou mesmo corvinal, que é relacionado à busca por conhecimento. Imagine quantos conhecimentos existem no mundo. Quantas formas de alcançar. Às vezes pra uma pessoa significa ficar em casa lendo. Pra outra pode significar sair por aí conhecendo gente, indo pra festa e falar com todo mundo, porque o conhecimento que ela busca é diferente.
É por isso que eu vejo a Clarke Griffin, protagonista de The 100, como sendo da grifinória. Ela é manipuladora, estrategista filha da puta e se mostra fria cortando o pescoço de alguém, maaaas tudo o que ela faz é por causa da ideia de ser “o mocinho”. (e porque tá no desespero, vamos concordar) Ela é motivada pelo senso dela do que é a coisa certa a fazer.
A Lexa, por exemplo, é motivada pelo que é a coisa mais inteligente a fazer para o povo dela*. (novamente, não sei se o que pesa é o mais inteligente ou o povo) E mais: lembra que eu falei do diferencial dela ali em cima? o que ela fez foi totalmente acabar com a mentalidade de “eu vs. você” pra unir grupos diferentes como um povo só. (spoiler mínimo) ela faz coisas violentas, mas ao mesmo tempo tá sozinha acabando com uma guerra centenária e unindo as pessoas. e no momento mais “do mal” dela da série, ela tava na verdade tomando a decisão menos arriscada e que salva mais vidas (mesmo que não fosse a que ela queria tomar). (fim spoiler mínimo)
(ao mesmo tempo… ela faz o que é inteligente. não necessariamente o que é gentil.)
Ou o próprio Peter Parker/Homem-Aranha, eu colocaria ele como corvinal, mas por causa das coisas que aconteceram com ele (tio ben, olá) (com grandes poderes vêm grandes responsabilidades) ele acaba agindo de outras formas e tendo outras prioridades.
a internet concorda:
Enfim, isso tudo é muito interessante pra mim, porque é uma enorme discussão de identidade. Como o ambiente nos transforma, como temos características variadas, como certas situações fazem algumas dessas características ficarem mais evidentes do que as outras, como identidade é a forma como nós decidimos nos representar e buscamos ser (e ela nem sempre é quem somos).
Por acaso, é outra cena de The 100 que passa pela minha cabeça agora para concluir.
Clarke está discutindo com outro personagem.
Clarke: Eu não quero fazer isso. É errado.
Personagem: Semana passada você fez de boa. Que merda é essa agora?
Clarke: Eu mudei.
E isso, pra mim, foi um tapa na cara. Porque é, não é porque você agiu de determinada maneira ou um dia foi de um jeito que você precisa ser sempre assim. Você tem a permissão de mudar. Você muda.
Discutir identidade é aprender sobre quem você é, mas descobrir que você não está preso a isso, a quem você já foi ou quem dizem que você deve ser.