Depois de assistir a segunda temporada de Carmilla eu escrevi esse texto, mas nunca tive tempo de postar no CC, então vou publicar aqui pra caso alguém queira ler. Apenas digo que: eu adoro a parte final dessa “resenha”.
FINALMENTE FIQUEI EM DIA COM CARMILLA! E foi beeem melhor do que eu esperava.Tanto que eu quis escrever sobre assim que eu terminei.
Eu lembro de assistir a primeira temporada e toda a movimentação do #SaveCarmilla pra conseguir a segunda. Depois a inevitável tristeza pelo fim das minhas felicidades de terça e quinta quando os episódios lançam. Mas também toda a animação de um fandom que com garras e dentes (e absorventes) conseguiu uma nova temporada de sua websérie preferida.
Eu nem lembro se eu tava animada quando voltou, só sei que a segunda temporada lançou e em algum momento eu fiquei pra trás. Assistir série a conta gotas é muito difícil pra mim, só ano passado pela primeira vez eu acompanhei uma temporada inteira de série dia a dia! (e a série tinha só 8 episódios de 20 minutos… HUHAUHAUAH) Eu não gosto. Seja porque em algum momento a vida acumula e eu acabo esquecendo de assistir o episódio da semana (e da semana seguinte, e da seguinte…), ou porque eu quase morro de ansiedade TENTANDO SABER O QUE DIABOS TÁ ACONTECENDO E EU QUERO MAIS EU PRECISO MAIS ME DÁ UM NOVO EPISÓDIO POR FAVOR.
Assistir séries de uma vez só também me dá uma prazer a parte… mas nem é isso que eu ia falar. A questão é que eu atrasei com Carmilla e pensei: wtf, eu não preciso assistir todos os dias! Vou deixar juntar e ver depois. Foi o que aconteceu.
Ontem eu estava aqui morta de sono precisando de algo pra fazer no modo vegetal até dormir, e eu não posso assistir Demolidor porque me dá sono, então eu não poderia assistir nenhuma outra série. Estava sem opção até o tumblr me lembrar que eu precisava assistir Carmilla.
Bem, eu tenho duas amigas que adoram (ou adoravam?) Carmilla e acompanharam dia a dia surtando. Elas não tinham gostado do final. Eu já tava desanimada com a série. Então eu fui bem “É carmilla, episódios de 2 minutos, eu vou maratonar a temporada inteira em menos tempo do que eu assisto o piloto de uma série”. Acho que a maior razão da minha desanimação é que eu tinha gostado demais do clima universitário de Simas na primeira temporada. De certo modo, eu via a série como um “Scooby Doo” – um grupo de jovens desvendando mistérios na universidade. Tipo um Harry Potter voltado para o cotidiano de Hogwarts. Eu adorava a ideia de uma faculdade “normal” com coisas estranhas. Um pouco como Gotham Academy. Eu também adoro os personagens e o fato de que são todas mulheres, diferentes entre si. Esse é o tipo de conteúdo que eu não encontro por aí.
Só que eles destruíram isso nessa temporada. Basicamente, o fim da s1 levou a um pequeno apocalipse e elas estão refugiadas enfrentando uma trama maligna que quer destruir a faculdade. Mais para Harry Potter livro 7 do que o cotidiano de boa. E, sinceramente, sem o apelativo de ver como Laura ia perceber seus sentimentos e se entender com a vampira Carmilla, a coisa brochou muito.
Eu cheguei a assistir uns episódios da segunda temporada e fiquei tipo “oh, eles vão ficar com essa traminha sem mistérios, porque obviamente a Perry é culpada de tudo e fanservice com a Carmilla e Laura e… naah.”
Então imagine minha surpresa em descobrir que tinha algo mais. Vamos devagar.
Primeiro a Mattie que é absolutamente incrível e eu adoro todo momento que ela tá em cena. Obrigada Deus por essa atriz.
Segundo o jornalzinho da Laura com a Mattie, em que ela conta notícias ruins de uma perspectiva boa. Não sei qual é o episódio que a Mattie faz essa interferência e refaz tudo o que a Laura diz, só sei que eu absolutamente adorei porque diz tanta coisa sobre a mídia e, bem, a ideia de neutralidade. A gente aprende erroneamente que quando falamos de um fato, podemos fazer isso de maneira neutra, tipo “ah, é uma cena da personagem de Game of Thrones sendo estuprada”, mas não importa o que a gente faça, sempre vai ter mensagens extras. Ou seja, estamos pendendo a verdade para o que acreditamos que é certo. E esse episódio mostra que você pode pegar a coisa mais horrível e contar como se fosse bom. Em outras palavras: eu adorei.
A volta do… Will? Como JP também foi muito boa.
Mas a parte que me pegou, que me fez parar e “wow, isso aqui pode ser algo mais” foi quando a Carmilla e a Laura começaram a brigar. Elas brigaram várias vezes em vários episódios, então nem lembro qual foi, só sei que foi quando a Carmilla começou a criticar o discurso da Laura de “tornar você melhor”.
Basicamente, a Laura começa a namorar com a vampira do mal Carmilla e pensa que o amor vai transforma-la em uma heroína, com o tempo ela vai aprender o que é certo. Algo bem a Bela e a Fera.
E é algo que eu pessoalmente tenho refletido, porque eu tô bem no lado Laura da força. Eu normalmente tô VAMOS GIRL THE HELL UP E FAZER O MELHOR. Seja porque eu sou perfeccionista, determinada ou me importo com os outros – eu gosto de fazer as pessoas felizes. E aí é muito fácil você assumir o discurso do “vou te ajudar”, “nós vamos melhorar”, “nós vamos… evoluir.”
Evoluir é uma palavra horrorosa, porque parece que crescer e aprender na vida é algo gradual sempre em direção a um melhor único. Amanhã eu vou ser melhor do que eu sou hoje. Hoje eu sou melhor do que a Dana de 15 anos. Essa é uma crença destrutiva. Por que? Porque faz com que você nunca seja bom o bastante, faz com que a juventudade seja inteira descartada como não boa o bastante e porque, principalemnte, é uma mentira. A gente, de fato, aprende certas coisas e melhora em outras com o tempo. Mas também piora, também regride. Eu ainda to aprendendo muitas coisas com a Dana de 15 anos.
E melhorar pra onde? Como assim? Quem decide o que é melhor? Quem sou eu pra dizer o que é melhor pra você?
Quando fala em “ajudar” agora vem na minha cabeça aquela imagem de salvador da pátria branco no meio de um monte de criancinhas negras.
Eu tenho passado a pensar que ajudar é reconhecer que a pessoa tem autoridade na própria vida e apoiar, não importa quem ela seja.
Enfim, esse conflito entre as duas foi muito bom, ainda mais em termos de representatividade. Você não transforma a pessoa no seu ideal de príncipe encantado. Se você quer ficar com ela, bem, você fica com quem ela é. Você não ignora uma parte da existência da pessoa pensando que você vai “corrigir”. Isso aqui, ó, dá pra levar a uma longa discussão sobre idealização de comportamento abusivo.
E eu gosto porque isso mexe com a moral da Laura. Ela está apaixonada pela Carmilla, mas ficar com ela vai contra tudo o que ela acredita.
E aí a temporada começa a crescer, porque a história é justamente essa. Nessa temporada eles estão desafiando os conceitos de certo e errado. Todo mundo acaba fazendo merda enquanto pensa que tá fazendo o certo, seja os heróis ou os “vilões”. Eu gosto especialmente como com o desenvolver da temporada fica claro que tudo o que a Laura fez foi absolutamente merda. Ela praticamente sozinha causou os conflitos de toda a temporada por decidir agir como uma heroína. E quando ela começa a perceber isso, ainda mais com o que ela tem que fazer no final e com todas as pessoas morrendo, só completa para deixa-la perdida.
Eu quero lutar pelo certo. Mas o que é o certo? Como eu faço isso? Quem eu sou?
É um dilema clássico do herói: como eu luto contra o mal sem me tornar o mal?
E no meio disso tem toda uma conversa sobre acreditar no mundo ou não. Basicamente, Mattie + Carmilla contra Danny + Laura. As vampiras com um discurso cético de “o mundo é só isso, é coisa ruim, ninguém se importa com a sua existência. A única coisa que importa é o que você faz pra sobreviver.” Tipo, você não vai ganhar nenhuma medalha de ouro por ser uma boa pessoa, não vai ganhar fortuna, fama, amor por ser uma pessoa decente. Na realidade, as pessoas estão pouco se fodendo pra o que você faz. A única coisa que importa é a sua capacidade de sobreviver, seja lá como for. Então você tem a Danny e a Laura do outro lado: pera, como assim a minha vida não significa nada? Como assim não vale a pena lutar pelo certo? E aí você tem a Danny falando que o que importa é lutar pelo certo mesmo e morrendo corajosamente. E, no final, a Carmilla falando para a Laura que “se você passa por tudo isso e desiste de lutar, você vai se tornar como eu” – e que talvez a questão seja continuar lutando e querendo fazer o melhor independente das merdas que aconteceram.
Eu gosto dessa narrativa, ainda mais se você considerar como a websérie Carmilla foi feita. Ela é basicamente criada por pessoas que vivem em um mundo dizendo que o que elas querem não pode se tornar realidade, é uma produção independente buscando criar a história que eles gostariam de ver. É quase o relativo de eu cansar de esperar a Marvel fazer meu filme com protagonista mulher e fazer os meus próprios. Então todos eles são um pouco Laura e Danny, apostando fazer as histórias que eles querem e arriscar criar o próprio caminho.
Acho que minha parte preferida é quando a Carmilla vira pra Laura e pergunta: você percebeu que você tá me pedindo pra trair a minha irmã?
“´E, Laura, você é uma grande heroína, fazendo o bem… e não se importando com o valor das pessoas que você considera erradas.”
Isso é um conflito tão universal. E eu gosto muito de como Carmilla abordou. De como eles trouxeram à tona o fato de que Carmilla é uma vampira assassina e que Laura buscando seus ideais às vezes massacra os outros. Aliás, que se você decidir que alguma vida é descartável ou não importa, você não é tão diferente das pessoas que você trata como vilões. E como lidar com a imagem que você tem de si quando você claramente cruza a linha “do mal”?
(preciso dizer que isso tem muito a ver com essa discussão de causas sociais.) (e pode ser ou não que isso me lembre muito a The 100)